Entrevista por @leo.cucatti
Você retrata artistas e movimentos que nasceram da rua, da resistência e da cultura independente. Você vê movimentos assim hoje em dia? Se sim, quais?
Pode ser que ainda existam, mas não vejo como antes. Nos anos 1990, o underground era um movimento muito bacana, de solidariedade e reciprocidade, com um ajudando o outro. Nos anos 2000 vieram umas boas iniciativas de associativismo, até então com pessoas true, com história na cena. Mas aí chegaram figuras que não tinham a mesma essência e dividiram o que já era pequeno, assim como partidos políticos e governos que cooptaram lideranças.
Quando eu criei e liderei o coletivo Arariboia Rock durante dez anos, fizemos muitas coisas pela cena do leste fluminense, no Estado do RJ, mas infelizmente com a minha saída de Niterói, as coisas não continuaram mais. Então percebi que havia uma questão de formação de sucessores, tanto lá quanto em iniciativas parecidas. Porque eu sou de uma geração de lutar por conquistas coletivas. Mas o mundo capitalista tornou as pessoas individualistas e no digital isso ficou ainda pior, porque envolve também a vaidade. Com raras exceções.
Foto crédito Dani Dacorso
Desde o seu lançamento o disco Usuário sempre teve letras incrivelmente inteligentes e a frente de seu tempo... Como você acha que eles já tinham essa noção toda lá no comecinho dos anos 90? E você vê alguma evolução na luta a favor da legalização que eles sempre buscaram?
A cabeça pensante do Planet Hemp era o Skunk, que hoje seria chamado de antena. Ele estava sempre à frente, captando tendências e buscando novas referências. Sem saber nada de inglês, ela assimilava o que rolava na gringa só folheando as revistas importadas. Quando ele formou o Planet Hemp em 1993 com Marcelo D2, Rafael, Bacalhau e Formigão, tinha se inspirado no Cypress Hill e sempre dizia que a maconha ainda iria mudar muita coisa.
Infelizmente o Skunk faleceu antes do Usuário ser gravado e o BNegão entrou pra fazer as suas vozes. O Skunk era um homem preto, filho de mãe pobre, bissexual e maconheiro. Então ele mesmo já era uma vítima do preconceito no início dos anos 1990. As letras que ele e o D2 escreveram falam do que eles, seus amigos e o seu entorno passavam na mão da polícia e do Estado. Então, em relação à legalização, houve um avanço, ainda que pequeno, mas de resto... Olha aí a superoperação que o governador do RJ disse ter sido um sucesso, matando mais de cem pessoas. Então, infelizmente, o Rio continua sendo a “cidade desespero”.
Movimentos como manguebeat misturam tradição e modernidade, que inclusive foi alvo de crítica do Ariano Suassuna, você teve contato com essas críticas? O que pensou a respeito quando ouviu tais críticas pela primeira vez? Ainda pensa a mesma coisa? E sobre essas misturas de estilo, na sua opinião, vem de onde? É estética, é conceito, revolução ou é sobrevivência artística?
Com todo respeito a memória de Ariano, ele era uma figura tradicional, representante da elite pernambucana. No livro do mundo livre s/a eu narro os embates que os mangueboys tiveram com ele quando virou secretário de cultura. Chico Science era mais político e teve um encontro a sós. Ariano dizia para mudar seu apelido para Chico Ciência. Já Fred, que tem raízes no movimento punk, não deu o braço a torcer e continuou sendo crítico do movimento armorial. Ele até foi aluno de Suassuna no curso de comunicação social, mas quem vem do underground é fiel aos seus princípios. Ou, ao menos, deveria ser.
A fusão de ritmos é a principal marca artística do rock nacional nos anos 1990. Assim como o pessoal do manguebeat misturou rock com maracatu, ciranda, embolada e até o rap, os Raimundos fundiram hardcore com forró, O Rappa mesclou rock e reggae, e o Planet Hemp fundiu rock com hip-hop, tendo dois MCs sem guitarra ou baixo em punhos.
Foto crédito Acervo Elza Cohen
Você documenta histórias que a grande mídia ignora. A Noise Propaganda também nasce como resposta a uma lacuna cultural. O que o mainstream ainda não entendeu, ou parece querer não entender, sobre a rua e seus mais variados manifestos?
Em geral, o mainstream não criou nada, ele repete outras experiências ou compra o que dá certo. Assim como a propaganda está sempre se apropriando do que vem da rua. Porque quando não se tem dinheiro, é preciso ser criativo. Era assim que a gente comprava fitas demo e fanzines escondendo dinheiro na carta, improvisando com fotocópia na impossibilidade de pagar por impressão em gráfica, ou cada um levando uma parte do som para fazer um show para não gastar com aluguel.
Repare quantos artistas grandes, inclusive medalhões da MPB, hoje tem a sua própria gravadora e editora, mesmo que não conte com rios de dinheiro no marketing. São opções pessoais. Então o mainstream vai continuar existindo, assim como as opções (em geral mais interessantes) na cena independente.
Eu mesmo sou um exemplo disso. Já lancei livros por editoras, mas decidi criar a minha em 2015 e pretendo lançar sempre por conta própria. Assim eu mesmo tenho controle sobre a obra, consigo me relacionar diretamente com os leitores, e vou colocar o amor e a energia que nenhum outro editor ou divulgador colocará sobre os livros.
Em alguns trechos dos livros, você fala sobre processos de criação incluindo erros e acertos. A Noise também valoriza os “defeitos” do processo manual de criação — o borrado do spray, o erro da serigrafia. Como você acha que esses “erros” ou “defeitos” marcam a autenticidade de artistas como Planet Hemp, Mundo Livre S/A entre outros?
Esse é um ponto bem interessante, porque os meus biografados só leem os livros depois que são publicados. Isso evita que sejam “chapa branca”, como as biografias ditas “oficiais”. Eu admiro muito aqueles que reconhecem que não são perfeitos. Artistas também comem, dormem, cagam, acertam e erram. Então se colocar no lugar de uma pessoa que já deu mancada, ao invés de ser um super-herói, é muito nobre. Mas nem todos tem essa humildade, sobretudo se atingiram um status de grana e fama. Então, depois que o livro sai, ou eu fico ainda mais fã ou perco uma parte da admiração inicial. O que nunca pode faltar é o respeito entre ambas as partes.
Você destaca a relevância do contexto social dos artistas, seja na hora de compor ou divulgar o trabalho, fale um pouco sobre isso... e também qual é o contexto que mais inspira a música nacional hoje?
Todos os meus biografados que fizeram ou não sucesso também dependeram do contexto. Ou seja, da cena local ou nacional, das pessoas à sua volta, de sorte, e até mesmo de estar na hora certa e no lugar certo. Mas, claro, também conseguiram sucesso por que trabalharam MUITO! Por isso que não me satisfaço em entrevistar apenas os músicos no foco da biografia, mas também jornalistas, produtores, fãs, fotógrafos, enfim, todo mundo que ajudou de alguma forma a empurrar acima aquele artista. E que, infelizmente, às vezes são deixados de lado ou esquecidos quando a fama e o dinheiro sobem à cabeça.
O contexto hoje é uma bosta, ao menos falando sobre mainstream. O mundo digital é movido por dinheiro onde likes, streams e outras métricas ditam o rumo das curadorias e da manada de ouvintes. Grande parte dos jornalistas das enxutas redações não entende nada de música ou atua na base do corporativismo, favorecendo amigos ou divulgadores que os enchem de presentes. São poucos os repórteres que eu valorizo, que entendem de fato do riscado. Então o que inspira a música nacional são os cantores sertanejos patrocinados pelo agronegócio? São os trocentos artistas agenciados pelas mesmas pessoas ou produtoras?
A minha fala pode parecer pessimista, mas eu não quero ser um objeto de utilitarismo, que usa e joga fora quando não serve mais. Eu acredito nas relações verdadeiras. Muitas das pessoas com quem eu me relaciono são de décadas atrás, quando trocávamos cartas e, depois, e-mails. Outras eu conheci ao vivo, e não por redes sociais, já tivemos um momento de olho no olho. E é nisso que eu acredito. Vai chegar uma hora que vamos deixar o laptop ou smartphone de lado pra revalorizar o encontro presencial, a experiência física. Por isso que eu prefiro livros impressos, que eu escuto CD, rádio e LP. Eu gosto da experiência completa, de tocar e ver em detalhes a capa, o encarte, os créditos. E não me importo de ser taxado de anacrônico ou de analógico, somente prefiro as coisas duradoras às efêmeras.
O Nirvana com toda certeza teve um grande impacto no mundo todo, além da música, aqui no Brasil eu acho que o Planet Hemp foi uma dessas bandas também, por exemplo, eu mesmo, um moleque de 13 anos comecei a tocar guitarra, montei banda, queria de alguma forma ser igual a esses caras... Como você vê o real impacto do Planet Hemp nos anos 90? Tanto na música, quanto nas ideias e atitudes.
A Rita Lee dizia que só de existir o Planet Hemp era uma afronta à sociedade. E de fato era, por questionar essas leis e chamar pro debate. Isso numa época em que ver as crianças sentando na boquinha da garrafa da cerveja era tolerado e até engraçado para uma parte da sociedade. E eu vejo muitos Planets nessa trajetória. Tem o Planet meio a meio do Usuário, que começou com dois vocalistas MCs com instrumentistas do rock. Tem o Planet do rap, no segundo disco, quando Zegon e Apollo Nove injetaram modernidade. Tem o Planet eclético do terceiro disco, quando a banda ficou imensa, e misturou mais influências, como o reggae. E tem o Planet de hoje em dia, mais semelhante às origens.
O impacto da banda foi imenso, inclusive na moda. A prisão em 1997 também foi um capítulo triste, mas que gerou fama, vendas de discos e shows, e fomentou um primeiro debate sobre a política nacional de drogas, que é antiquada e reacionária. Mas ainda temos muito a avançar.
Muito obrigado pelo bate papo e essa última pergunta agora totalmente tomado pela emoção e tristeza da passagem do grande Lô Borges ontem... gostaria que você nos falasse um pouco sobre ele e o Clube da Esquina e também se em algum momento já pensou em escrever um livro sobre eles...
O Clube da Esquina foi muito importante naquele momento e revelou muitos talentos, assim como aconteceu no manguebeat e na chamada hemp family. Mas nunca me passou pela cabeça escrever sobre eles. Acho que existem pessoas mais adequadas, como a Chris Fuscaldo e o Márcio, autores do livro “De Tudo Se Faz Canção – 50 anos do Clube da Esquina”. Aos poucos, esses ídolos estão partindo e outros envelhecendo. Amanhã, dia 5, o Marcelo D2 fará 58 anos. Daqui a pouco, os coroas seremos nós! Obrigado pela entrevista e o respeito.

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